Intolerância ou COISAS DO DEMÔNIO ???
Nas últimas décadas vem ocorrendo um
esforço um tanto estranho de reencantar o mundo. Durante o tsunami
neoliberal as pessoas se recolheram aos seus casulos individuais, aos redutos
religiosos, às suas crenças e crendices, em busca de segurança e alguma
paz interior. O Estado,enfraquecido, deixou de dar as garantias
de segurança, de vida e de liberdade.
É nesse clima de insegurança coletiva e,
simultaneamente, de frustração com as muitas promessas não cumpridas pela
Modernidade, que vemos as pessoas se ligando cada vez mais a esoterismos, a
filosofias de vida alternativas, ao abandono das antigas crenças e religiões,
assumindo uma espécie de religiosidade privada, por um lado, e
algum tipo de fundamentalismo, por outro.
Neopentecostais e neocatólicos demonizam
tudo que esteja relacionado às antigas crenças que admitem a
sobrevivência da alma, a reencarnação, a mediunidade. Tudo que esteja fora de seus
parâmetros de verdade, dos seus princípios bíblicos, tornam-se alvo de
dúvidas, críticas e ataques. Parece que o Deus dos cristãos não é capaz de cuidar da
sua criação e das suas criaturas, tendo que ocupar-se – permanentemente –
em conter as trapalhadas e emboscadas de seu adversário histórico: o
demônio.
Mas de qual demônio se fala? Do “daimon”
dos gregos da antiguidade, um gênio ou ente sobrenatural, que
acompanhou muitos dos antigos filósofos e pensadores, ajudando-os? Será que se
referem a Baal (ou Baal Zebu) dos fenícios, que tornou-se o Belzebu dos
cristãos católicos? Ou será de Lúcifer, um anjo decaído, que se rebelara contra
Deus por causa de picuinhas celestes, e de propostas político-sociais
diferentes daquelas que o Criador pretendia para a Terra?
E de que Deus (ou deus) se fala tanto? Do
deus mesquinho que age como um rei terreno, necessitado de aduladores? De
um deus-mercador que barganha dízimos, ofertas e oferendas por benesses
materiais? De um deus guerreiro que incita a violência contra os
“infiéis” (infiéis a quem?) que devem ser perseguidos e eliminados, até fisicamente
se necessário? Diante das leis, atualmente mais severas,
que impedem mandar gente para as fogueiras ou fazer emboscadas como na
Noite de São Bartolomeu, restam a calúnia, a difamação, o ataque a crenças
afro-brasileiras, a imagens, a tudo que “os outros” têm como certo e correto,
e que lhes dá alguma estabilidade psicológica e emocional nesse mundo de
ponta-cabeça.
Contudo, apesar de todas as garantias
constitucionais, das Convenções assinadas pela maioria dos países no
tocante às liberdades mínimas, às quais todo ser humano faz jus como direitos
congênitos, as intolerâncias não só permanecem como aumentam, de forma sutil,
velada, subliminar, ou de forma clara, com ataques diretos, verbais ou
por escrito.
As ideologias sinistras não morreram com
seus divulgadores mais conhecidos. Elas permanecem vivas e prontas para mostrarem
suas garras, ainda manchadas com o sangue de muitos que pereceram por sua
causa no passado remoto ou recente. As liberdades de culto e crença são
violadas sistematicamente por uns e outros. Desde escritos como O livro negro do
Espiritismo, de Frei Boaventura, passando por Orixás, Caboclos e Guias, do bispo Edir Macedo,
até Espiritismo, a magia do engano, do pastor R. R. Soares, o que se vê é uma
permanente disputa por hegemonia, poder e domínio das mentes através de verdades exclusivas
e interpretações particulares de livros tido como sagrados. Por trás de tudo, está uma funesta
demonstração de intolerância no campo da fé, e de desconhecimento das crenças alheias e dos
seus direitos históricos de existirem, com ou sem o aval do Estado. A fé é questão de
foro íntimo. Um direito e uma escolha essencialmente pessoal. Cada um tem o
direito de escolher como se relacionará com a divindade, com ou sem mediadores, sejam
pastores, sacerdotes, guias etc.
Principalmente as crenças
anímico-mediúnicas são alvo dos fundamentalistas bibliólatras. Uma atenta leitura de
qualquer um dos Evangelhos canônicos, com particular cuidado e atenção para com os
ensinos de Jesus, e esses fundamentalistas encontrariam ali mesmo sua condenação. Fundamental é respeitar todas as crenças
respeitáveis. Mas, é também necessário desmascarar os túmulos caiados, os falsos
cristos e os falsos profetas, os fariseus hipócritas, os escribas aproveitadores.
Aqueles mesmos contra os quais Jesus se insurgiu e que ainda existem em versão
moderna, de terno e gravata ou não.
Muitas pessoas encontram-se tomadas por
uma cegueira mental e espiritual que as incapacita de discernir entre o certo e o
errado, entre o justo e o injusto. No fundo de tudo, a angústia, a fragilidade
emocional, a dúvida humana sobre as antigas e permanentes perguntas: de onde vim, o que
faço aqui, para onde vou? A vida é só isso: sobreviver um dia após o outro e depois
morrer?
Texto Paulo R. Santos