terça-feira, 6 de agosto de 2013

Pré-moldados de concreto fotocatalíticos revolucionam a engenharia

Pavimentação fotocatalítica é considerada uma tecnologia promissora para o combate à poluição 

Introdução
O tráfego é identificado como uma das principais fontes de poluição do ar nas zonas urbanas. Esta questão assume uma séria e crescente preocupação, dado os riscos substanciais à saúde dos cidadãos determinado pelo aumento da concentração de poluentes atmosféricos como os óxidos de nitrogênio (NOx). 
O aumento da emissão de gases como os óxidos de nitrogênio (NOx) pode causar chuva ácida, ozônio ao nível do solo (troposférico), além de contribuir com o aquecimento global. Ressalta-se também que o NOx na atmosfera é de grande preocupação, pois a exposição em longo prazo pode causar agravos à saúde humana (LEITE et al., 2008).
De acordo com Cetesb (2010), o último relatório anual da qualidade do ar no Estado de São Paulo mostra que o ozônio é o poluente que mais ultrapassou os padrões de qualidade do ar (320 µg/m3); em 2009 foram 57 dias acima dos níveis. Segundo Bergin et al. (1998), o padrão do qualidade de ar com relação ao ozônio não pode ser alcançado sem uma significativa redução das emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) e compostos orgânicos voláteis (COVs).
Devido ao grande crescimento da frota de veículos nas cidades, as medidas atuais tomadas para combater a poluição do ar não são suficientes para o cumprimento dos padrões de qualidade do ar estabelecidos pela legislação vigente e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Essa problemática tem estimulado a busca de novas tecnologias para reduzir os níveis de poluição urbana, com o objetivo de tornar as cidades mais habitáveis.
Estudos no campo da nanotecnologia têm demonstrado a possibilidade da produção de materiais e produtos com novas propriedades, com objetivo de ampliar o desempenho, a funcionalidade e a durabilidade dos materiais. A nanotecnologia é a tecnologia que permite a manipulação da estrutura da matéria em pequeníssima escala, da ordem de nanômetro (10-9 m), gerando assim materiais e estruturas com características diferentes daqueles utilizados correntemente (CORTEZ, 2008).
Em rodovias, a aplicação da nanotecnologia é recente. Apresenta-se, todavia, com um grande potencial para propiciar um aumento significativo no desempenho do revestimento através da obtenção de materiais mais resistentes à deformação permanente, à fadiga, ao dano por umidade e menos suscetível à variação térmica e ao envelhecimento. Também poderão ser desenvolvidos materiais com propriedades amigáveis ao usuário e ao meio ambiente, como, por exemplo, revestimentos de pavimentos com ação fotocatalítica.
A pavimentação fotocatalítica é considerada uma tecnologia promissora para o combate à poluição do ar em grandes cidades. Esta tecnologia baseia-se nos processos oxidativos avançados (POA), através da fotocatálise heterogênea que utiliza semicondutores como o dióxido de titânio (TiO2). A incorporação de dióxido de titânio (TiO2) em combinação com o cimento Portland, gera materiais com propriedades fotocatalíticas, ou seja, uma matriz de cimento capaz de capturar e degradar poluentes atmosféricos como os óxidos de nitrogênio (NOx).
O princípio de funcionamento do processo de fotodegradação de poluentes atmosféricos é baseado nas propriedades do semicondutor (TiO2). A partir da incidência da radiação solar UV-A (faixa ultravioleta A – 315 a 400 nm) na superfície do pavimento fotocatalítico, radicais hidroxila (OH•) são gerados, e estes são capazes de degradar os óxidos de nitrogênio (NOx) através de reações químicas de oxirredução. O produto da reação são íons de nitrato (NO3-) fixados na superfície do pavimento. Estes sais (NO3-) depositados na superfície da pavimentação são removidos (solubilizados) pela ação da água da chuva e podem ser absorvidos pelas plantas como nutrientes do crescimento.
As peças pré-moldadas de concreto, com sua grande diversidade de formatos, cores e modos de aplicação, apresentam grande atrativo para pavimentação de calçadas, estacionamentos, praças, áreas de lazer e ruas de baixo e médio volume de tráfego. Nessa perspectiva, em consonância com a possibilidade de aplicação perto das fontes móveis de poluição, a fácil exposição à luz solar e verificando que o veículo em movimento gera uma fluxo turbulento que direciona o NOx contra a superfície do pavimento (Figura 1), torna-se oportuno o desenvolvimento de peças pré-moldadas de concreto com propriedade fotocatalítica.
Figura 1 - Fluxo de NOx resultante da combustão de veículos (http://aah.ucdavis.edu)
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa sobre a eficiência de peças pré-moldadas de concreto (PPC) para pavimentação em que a superfície foi modificada nanometricamente para torná-la fotocatalítica, com o objetivo da purificação do ar em meio urbano.
Materiais e Produção das Peças
As PPCs fotocatalíticas são caracterizadas por dupla camada, uma camada superficial modificada nanometricamente e fotocatalítica (argamassa + TiO2), podendo variar de 3 mm a 10 mm, e a camada de base em concreto convencional, sem incorporação de TiO2. No âmbito industrial, existe tecnologia para o desenvolvimento dessas peças, são os chamados equipamento de vibrocompressão double-cap, dotados de sistema de alimentação com duas cubas e gavetas, possibilitando a moldagem de peças em dupla camada.
Para a produção das peças pré-moldadas de concreto fotocatalíticas em laboratório, foi utilizado o cimento Portland composto com pozolana (CP II Z 32), com massa específica de 2,97 g/cm3. Como semicondutor utilizou-se um dióxido de titânio (TiO2) nanométrico na forma rutilo barra, com diâmetro de 10 nm e comprimento de 40 nm, pureza de 98%, superfície específica de 150 m2/g e densidade real de 4,23 g/cm3.
Como agregado, foi utilizado um pedrisco de origem granítica com diâmetro máximo de 9,5 mm. A Figura 2 apresenta a granulometria do pedrisco utilizada para camada de base e a granulometria para a argamassa fotocatalítica (camada aplicada sobre a superfície das PPCs), sendo esta granulometria, a do pedrisco, porém passante na peneira no 4 (4,8 mm).
Os quantitativos de materiais foram proporcionados de maneira a se obter uma resistência à compressão simples de 35 MPa. Dessa forma, definiu-se o traço em 1:3,5 (cimento:agregado); fator água/cimento de 0,405 e massa específica de 2,319 g/cm3.
A Figura 3 mostra uma das peças fotocatalíticas (20 cm x 10 cm x 6 cm) produzidas em laboratório. Nesse estudo foram produzidas peças com 3 mm, 6 mm e 10 mm de espessura da argamassa fotocatalítica e com diferentes porcentagens (3%, 6% e 10%) de TiO2 incorporadas. Também foram moldadas PPCs de referência, sem camada de argamassa fotocatalítica. O teor de dióxido de titânio incorporado é dado em relação ao peso de cimento Portland.
Avaliação da Eficiência das Peças
Para poder quantificar e obter valores confiáveis da eficiência das peças fotocatalíticas na degradação do NOx, foi desenvolvido na UFSC um fotorreator. Nesse aparato, é possível submeter as peças a uma atmosfera poluída e estabelecer a intensidade incidente de radiação UV-A (W/m2), a porcentagem de umidade relativa do ar e a velocidade do fluxo de poluição (l/min). Com um analisador de gases é verificada a concentração de poluição (NOx) durante o ensaio.
O procedimento de ensaio para a avaliação fotocatalítica das PPCs na degradação de NOx tem inicio com a calibração do sistema para as condições de ensaio desejadas, em termos de concentração inicial de NOx (ppmv – partes por milhão de volume), umidade relativa do ar (%), taxa de fluxo de poluição (l/min) e incidência de radiação UV-A (W/m2). Após os ajustes dos parâmetros que reproduzem um ambiente poluído, o ensaio é iniciado. Ele tem um tempo de duração de 40 minutos, dividido em três estágios: o primeiro, de cinco minutos, é sem radiação UV-A; o segundo, dura 25 minutos e com radiação UV-A; o terceiro, dura dez minutos e sem radiação UV-A.
As condições de teste definidas para este estudo foram: taxa de fluxo de 1,0 l/min; radiação UV-A de 10 ± 2 W/m2; umidade relativa do ar de 50 ± 5%; concentração de poluente (NOx) de 20 ppmv.
Resultados e Discussões
Inicialmente, foram realizados os ensaio de eficiência na degradação de NOx com as peças de referência sem a incorporação de TiO2. Estas, como se esperava, não apresentaram taxa de degradação do poluente (NOx) durante todo o ensaio.
Para as peças fotocatalíticas, os ensaios demonstraram uma grande eficiência na degradação dos NOx. A Figura 4 apresenta a concentração de poluição (NOx) no interior do fotorreator ao longo dos 40 minutos de ensaio e a Figura 5 a taxa de conversão do poluente (NOx). Os resultados são referentes a uma área fotocatalítica de 600 cm2 (três peças) com incorporação de 3%, 6% e 10% de TiO2 e espessura de argamassa fotocatalítica de 3 mm.

Figura 4 - Ensaio de degradação de NOx
De acordo com as Figuras 4 e 5, ficam evidenciadas as características dos três estágios que compõem o procedimento de ensaio.
No primeiro estágio, no qual não há incidência de radiação UV-A, não ocorre a ativação dos sítios de TiO2 na superfície das PPCs fotocatalíticas, não acontecendo também a degradação de NOx. A concentração de NOx se mantém constante em 20 ppmv ao longo dos cinco minutos iniciais.
No segundo estágio, a radiação UV-A de 10 W/m2 é ligada por 25 minutos. Logo em seguida, começam as reações de fotocatálise heterogênea e a degradação do poluente se inicia. Verifica-se que, após aproximadamente 20 minutos de radiação UV-A (aos 25 minutos de ensaio), chega-se à completa ativação de todos os sítios de TiO2, sendo este o pico de máxima degradação de NOx, caracterizando-se por uma degradação constante do poluente.
No terceiro estágio, correspondente aos últimos dez minutos de ensaio, a radiação UV-A é desligada e começam a cessar as reações de fotocatálise e, conseqüentemente, ocorre o retorno da concentração inicial do poluente para 20 ppmv de NOx.
Pode-se verificar, também nas Figuras 4 e 5, que há uma melhora da eficiência da degradação de NOx com maiores teores de rutilo (TiO2) adicionados na peça. Esse aumento se deve à maior quantidade de sítios de TiO2 na superfície das peças que são ativados.
A Figura 6 apresenta, para todas as PPCs fotocatalíticas produzidas, os resultados do consumo máximo de NOx atingidos durante o ensaio. Os resultados estão expressos em mg/hr/m2 de pavimento fotocatalítico.
Aplicação dos Resultados
A partir dos resultados de degradação de NOx obtidos em laboratório, pode-se estimar a quantidade total de NOx degradada por um quilômetro de via urbana de 10 m de largura (10.000 m2) revestida com peças pré-moldadas de concreto fotocatalítico (argamassa com 3% de TiO2 rutilo e 3 mm de espessura).
Considerando um dia em Florianópolis com radiação solar característica de final de primavera, com umidade relativa do ar média de 70% e sem ventos, um metro quadrado de pavimento fotocatalítico seria capaz de retirar do ar cerca de 211,25 mg de NOx nesse dia.
A tabela 1 demonstra a eficiência da pavimentação fotocatalítica em uma situação hipotética, considerando que trafegassem nesse dia 10.000 veículos sobre o pavimento fotocatalítico.
A tabela 1 mostra a grande contribuição da pavimentação fotocatalítica para a despoluição do ar em termos de NOx. Pode-se concluir que, dos 10.000 carros (fabricação 2007-2009) que trafegariam neste pavimento, com ciclo de motor Otto, somente 1.528 veículos poluiriam a atmosfera. Considerando os veículos com um ciclo motor de Diesel, 6.478 veículos poluiriam a atmosfera.
Com um tráfego de veículos fabricados a partir de 2009, a eficiência seria ainda maior. Com 10.000 carros do ciclo de motor Diesel, somente 1.528 veículos poluiriam a atmosfera. Considerando veículos com ciclo motor de Otto, poderia trafegar sem danos ao meio ambiente, em termos de NOx, 17.775 veículos.
Conclusões
O monitoramento da qualidade do ar nas grandes cidades demonstra que a problemática atual das altas concentrações dos óxidos de nitrogênio, assim como dos efeitos delas resultantes, é de grande preocupação para a qualidade de vida do ser humano e para o equilíbrio ambiental. Nesta perspectiva, este trabalho buscou estudar e avaliar a incorporação de TiO2 em peças pré-moldadas de concreto fotocatalíticas, como uma técnica para redução das altas concentrações de óxidos de nitrogênio.
Os resultados obtidos em laboratório mostraram que se pode ter uma grande eficiência das peças fotocatalíticas na degradação dos NOx, chegando a uma taxa de conversão do poluente de até 95%. Com maiores teores de TiO2 incorporados nas peças, maior é a eficiência da peça na degradação dos NOx.
Do ponto de vista teórico, a eficiência da peça não teria um fim uma vez que não há consumo do TiO2 no processo, pois ele atua como catalisador nas reações de degradação. Entretanto, o desgaste da superfície, a colmatação, impermeabilização por óleos, impregnação de goma de mascar ou limpeza pouco eficiente pela ação da chuva podem levar a uma redução da eficiência fotocatalítica. Neste sentido, a investigação ainda é recomendada para avaliar a eficiência da tecnologia no campo.
Atualmente, uma série de peças foi colocada em duas vias de Florianópolis (Figura 7) para avaliar a eficiência da ação fotocatalítica ao longo do tempo. 
Referências
BERGIN, M. S., et al. Quantification of Individual VOC Reactivity Using a Chemically Detailed, Three-Dimensional Photochemical Model. Environmental Science e Technology 29, 3029-3037. USA, 1998.
CETESB. Relatório da Qualidade do Ar no Estado de São Paulo. Governo do Estado de São Paulo, Secretaria do Meio Ambiente. Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. São Paulo, 2010.
CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA. Resolução No 315. Ministério do Meio Ambiente. Brasil. Outubro, 2002.
CORTEZ, O. A. Síntese e Caracterização de Ligas Ferroníquel Nanoestruturadas. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Metalúrgica, Departamento de Ciência dos Materiais e Metalurgia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.
LEITE, A. B., et al. Processo de Absorção de Gases na Minimização da Poluição Atmosférica. Departamento de Engenharia Química da Universidade Regional de Blumenau - FURB. 2008.
João Victor Staub de Melo é doutorando em Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina, victor@ecv.ufsc.br
Glicério Trichês é professor-Doutor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina,ecv1gtri@ecv.ufsc.br

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